Espaço público precário ou ansiedade por desempenho são problemas num tempo em que também surgem oportunidades para aflorar o espírito crítico, a criatividade, o brincar, a saúde e o bem-estar.
Bishow Rai olha em volta e aponta, de imediato, o que mudava. “Gostava de um parque infantil. Queria que, no parque, houvesse uma zona para se fazer obstáculos”, revela ao Jornal de Guimarães a criança de 10 anos, sem esquecer um outro desejo. “Gostava também de fazer parkour. Deve ser um bocado complicado. Não sei se todos iam gostar. Eu gosto”.

O parque infantil em causa é o do Bairro Social da Emboladoura, lar de Bishow e das restantes crianças e adolescentes com que brinca debaixo de um sol de fim de tarde: Inês Máximo e Filipa Oliveira, em plena adolescência, contemplam as escondidas e as correrias de Lara Gomes, Beatriz Rai, Luna Aguiar, José Afonso Fernandes, Mariana Vaz, Lucas Couto e Bela Safira Rodrigues. Da mesma idade de Bishow, Bela fala igualmente do parque: “Está muito sujo. Devia mudar. Gostava que estivesse limpo, que tivesse mais baloiços para brincar”.

Neste momento, a infraestrutura em ferro que os suporta até está vazia, com ar gasto. Ao lado, o colorido escorrega infantil na superfície de areia remete-se ao silêncio. E o mesmo cenário aplica-se ao campo de jogos logo acima, sem balizas. Atenta às correrias dos mais novos, Filipa Oliveira acumula memórias suficientes para vincar que esses recantos já foram melhores. “Era um bom sítio para toda a gente estar lá a conviver. Lembro-me que, no meu tempo, estávamos todos cá fora à noite, a brincar, a jogar ao esconde, a jogar à bola. Agora não vejo isso nas crianças. Isso faz muita falta no bairro”, frisa a moradora de 17 anos.

Mas Filipa também vê mudanças para melhor naquele bairro de Gondar, propriedade do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), cuja requalificação está em curso desde outubro de 2022 – já se veem novas fachadas aqui e ali. Um desses exemplos é o Palácio da Imaginação. Orçado em 52.500 euros, no âmbito do programa Bairros Saudáveis – o Governo lançou-o com vista à “melhoria das condições de saúde, bem-estar e qualidade de vida em territórios vulneráveis” -, o projeto da cooperativa Fraterna começou a ganhar forma em 2021, a partir dos questionários entregues pelos moradores mais novos do bairro; Filipa, Bela e Bishow entre eles. “Pusemo-los em várias caixas de correio para os adultos responderem”, detalha Filipa.

Mais de um ano depois, já se brinca nas duas infraestruturas que encarnam o projeto: uma peça designada Imaginário, epicentro de atividades, depósito de arrumos ou mera espreguiçadeira da qual se contempla o Ave – depende do que o utilizador quiser – e uma estrutura pré-fabricada com um toldo. “Identificou-se, nos questionários, a necessidade de um espaço coberto da intempérie, da chuva e do sol para a realização de atividades ao ar livre, sejam elas de desporto, mais artísticas ou de convívio”, esclarece Mariana Carvalho, arquiteta ligada ao ProChild CoLab Against Poverty and Social Exclusion (ProChild CoLAB), uma das entidades parceiras do Palácio da Imaginação, inaugurado a 16 de junho.

Epicentro de um projeto que incluiu, por exemplo, a criação de boxes de madeira para estudo ao ar livre, as infraestruturas sobranceiras ao vale, concretizadas por alunos da Escola de Arquitetura, Arte e Design da Universidade do Minho, sob coordenação científica de Cidália Silva, investigadora da unidade Lab2Pt, albergam cozinha com banca, mesas, bancos e dispositivos lúdicos, “uns labirintos e uns túneis que as crianças podem usar”. Está, no fundo, preparada para ser o que a “comunidade quiser”, sublinha Rita Magalhães, coordenadora da Fraterna para o projeto Porta7. E não esquece o papel das crianças. “Quer aqui, quer nas escolas, quando achamos que temos boas ideias para elas, de repente vem uma criança e traz uma sugestão de que não nos lembramos”, admite. Mariana Carvalho corrobora: “As crianças têm conhecimento para transmitir. É muito valioso”.

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