Quem é a cidadã Isabel Soares?
Em primeiro lugar, diria que sou uma pessoa que valoriza extraordinariamente a família. Tive uma família muito próxima. Os meus pais acompanharam-me muito e tive a felicidade de ter um pai e uma mãe muito dedicados aos filhos. Foram verdadeiros modelos como pessoas e como pais. Fui muito amada e apreciada enquanto pessoa e isso foi fundamental para o meu crescimento e bem-estar. Aos 18 anos conheci o meu marido e tive oportunidade de entrar numa nova família. Uma família muito grande, acolhedora e altamente estimulante do ponto de vista intelectual, cívico e político. Uma família onde encontrei uma outra mãe, a minha sogra, que era uma mulher absolutamente extraordinária e que continua a ser para mim um modelo. Mais tarde, tive o privilégio de ser mãe e ter dois filhos fantásticos. Hoje eles são adultos, já casados e tenho três netos muito queridos. Sou uma mãe, uma sogra e uma avó muito feliz.
Também se alimenta nas relações de amizade…
Sem dúvida. Ao longo da vida, fui contruindo relações de amizade em contextos diferentes, muitas das quais se estendem desde a infância e adolescência. No seu conjunto, tenho amigos e amigas que são pessoas muito diferentes, cada uma é única e especial para mim, e permanecem na minha vida, ao longo do tempo. A estabilidade e a profundidade das relações de amizade é algo muito importante para mim, que procuro cuidar e preservar.
Onde entra o olhar para o social?
A importância das questões sociais, a preocupação com as desigualdades, com a exclusão e pobreza e a necessidade de agir, de procurar contribuir para a mudança social, é algo que aprendi muito cedo. Os meus pais foram pessoas que me deram a oportunidade de conhecer um mundo bem diferente daquele em que eu estava a crescer. Entre os 7 anos e os 9, 10 anos, com os meus pais, tive a oportunidade de participar num movimento cívico, o Movimento Juvenil de Ajuda Fraterna. Aos fins de semana, juntávamo-nos a um grupo de pessoas com formações e profissões muito diversas, que, em conjunto, trabalhavam para construir casas para pessoas que não tinham habitação. Num tempo de elevada repressão, de opressão e censura ativas, este grupo empenhado em causas sociais conseguiu construir e equipar 11 casas, trazendo luz para as condições de vida de pobreza extrema e para as desigualdades sociais, que o poder político procurava esconder. Depois tive também a oportunidade de viver intensamente o 25 de Abril e todo esse período revolucionário. Em janeiro de 1975, com 18 anos, fui estudar Psicologia para Lisboa e durante dois anos pude experienciar as múltiplas transformações sociais e políticas que estavam em curso e que contribuíram, decisivamente, para a minha abertura ao mundo, à diversidade e, para a minha consciência social, ajudando-me a construir um sentido de cidadania ativa.
E o lazer?
É uma área muito importante da minha vida, fundamental para o meu equilíbrio pessoal e bem-estar. Gosto muito de experimentar coisas novas e diferentes, de conhecer novos lugares e culturas. Viajar é uma paixão, descobrindo novos lugares e regressando a sítios que gostei muito, para os conhecer melhor. Aprecio o silêncio e estar só, quando estou cansada. Gosto de caminhar e do exercício físico, que é muito importante para o meu bem-estar. A literatura e o cinema são outras das minhas paixões.
Conceitos como “estabilidade” e “equilíbrio” parecem ser caros para si…
Sim! Sem dúvida. Claro que vivi infortúnios, dificuldades, problemas e não tenho uma visão romântica da minha vida, mas o balanço é claramente positivo. Eu sou uma pessoa feliz e acho que a minha vida me proporcionou, ao longo do tempo, um nível elevado de bem-estar e de realização pessoal nas várias áreas. E isso, em grande parte, decorre da estabilidade. A estabilidade que me proporcionaram e a estabilidade que procuro criar e valorizar nas várias áreas da minha vida. Ao nível profissional, por exemplo, é muito gratificante manter relações de trabalho ao longo de mais de 30 anos, atravessando gerações de estudantes, muitos dos quais foram estudantes de mestrado ou doutoramento e hoje são colegas. É mesmo emocionante para mim acompanhar de perto o seu crescimento profissional, as suas careiras, ter o privilégio de aprender com eles e com elas, criar novos projetos nos quais vão sendo formados novos alunos e novas alunas. Penso que a minha carreira sempre assentou na “colaboração”, com colegas (inter)nacionais e de áreas afins, permitindo novas sinergias e um sentido de complementaridade nos nossos projetos co-construídos. E tudo isso foi e é muito importante para a minha produtividade e para o meu bem-estar.
Como olha para um mundo tão instável?
Estou muitíssimo preocupada com o que se passa no atual contexto sociopolítico em Portugal e no mundo. Procuro manter-me informada, acompanho com muita atenção o que está a acontecer em Portugal, na Europa e nos EUA, e a guerra e os acontecimentos terríveis, absolutamente inaceitáveis na Ucrânia e na Palestina, para alem de outros territórios que, infelizmente, não recebem a atenção necessária. Na nossa família acompanhamos e debatemos muito as questões e os desafios que se colocam hoje no plano político, mas também ao nível social e económico, em Portugal e no mundo.
Foi uma criança com sonhos?
Confesso que a minha infância não foi muito preenchida com sonhos e projetos para o futuro. Olhando para trás, os meus sonhos do ponto de vista de atividade profissional ou social emergiram já numa fase mais avançada da adolescência e juventude. Acho que vivi muito o presente na infância. Quando era pequenina, o que eu gostava mesmo era de brincar e também de estar na escola, que foi um contexto muito positivo para mim. Mas, acima de tudo, o que eu adorava era poder ir brincar com as minhas amigas quando acabava a escola.
Via-se a fazer outra coisa se não fosse investigadora?
Acho que sim. Adoro o que faço. Mas acho que podia ter feito outra coisa, seguido outra carreira e, provavelmente, estar tão feliz e satisfeita como agora. Tenho uma visão aberta relativamente àquilo que as pessoas podem fazer. São processos evolutivos e construtivos, mais abertos do que determinados previamente, mas, obviamente, há constrangimentos e que têm que ver com a história de vida de cada pessoa, com as suas caraterísticas pessoais e os contextos de vida. No meu caso, um aspeto chave é trabalhar com pessoas. Tenho dificuldade em imaginar-me a trabalhar com máquinas ou em contextos solitários. Do modo que me organizei enquanto pessoa, eu preciso das relações, de um contexto relacional que dá sentido ao que eu vou fazendo. A colaboração é uma dimensão chave, estruturante da minha careira académica e do modo como eu vejo a produção do conhecimento científico. É um trabalho multivocal, a “várias mãos” diferentes e complementares, que se organizam e se fortalecem em torno da realização de um projeto partilhado. Portanto, se esses ingredientes estivessem presentes, com certeza poderia também ser feliz e estar bem em outros contextos.
É uma pessoa positiva ou tem sido mesmo feliz?
Eu acho que as duas coisas. Porque a felicidade é também aquilo que construímos internamente e que percecionamos. Em geral, sou uma pessoa positiva, mas reconheço que, em algumas situações, tenho uma visão cautelosa e posso até sofrer por antecipação. Felizmente, fui aprendendo a regular isso, tenho um marido otimista e que me ajuda a contrabalançar nesses momentos mais complicados para mim.